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“Continuamos a ser uma população com défice de literacia ambiental em reciclagem”

Carlos Lopes, vereador da Câmara Municipal de Coimbra, fala da estratégia que está a ser desenhada no setor do ambiente e da floresta para o desenvolvimento e sustentabilidade do concelho e dos vários projetos que estão em carteira para que o território possua mais qualidade de vida

Diário de Coimbra Numa altura em que a fileira da floresta está a ser discutida, e na sequência dos incêndios deste ano, qual a estratégia do município para o setor?

Carlos Lopes No início, quando chegámos, procedemos à reestruturação da orgânica da câmara. Ou seja, deslocalizámos o Gabinete Técnico Florestal para o departamento, que criámos de raíz, de ambiente e sustentabilidade, numa perspectiva de termos um enquadramento diferente também da floresta. Para nós a floresta não é só um ativo passivo, digamos assim, onde ano após ano vamos assistindo aos incêndios e não existe, depois, uma proactividade naquilo que é o pós-incêndio. E, nesse sentido, temos tentado com o gabinete Técnico Florestal, que tem duas equipas de sapadores florestais, fazer um trabalho não só de prevenção mas também de atuação direta no terreno. Em Portugal, temos uma legislação muito centralizadora, é o Estado que detém a maioria das competências na área da regulação e que decide em muitas matérias. Para termos um exemplo, a plantação do eucalipto pode ter um parecer negativo do município, mas depois ter um parecer que é vinculativo do ICNF. E, portanto, isso, em termos de gestão do território é complexo, porque muitas vezes as entidades não têm as mesmas opiniões, mas quem vincula a decisão final é de facto o ICNF e o Estado. E isso é um problema que terá que ser revisto pelo poder central, porque na minha opinião os municípios têm também de ter mais poder naquilo que é o ordenamento florestal e tudo que tem a ver com as políticas da floresta.

 

Mas, então, qual o papel da autarquia em toda esta orgânica?

Temos o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios que está em vigor até 2028 e que tem um cronograma de limpeza que é feito pelos sapadores florestais, além dos trabalhos de desmatação que têm que fazer. Acresce que na fase de verão, em que o risco de incêndio é, obviamente, mais elevado, os sapadores têm também uma função de prevenção e foi nesse âmbito que no último incêndio das Carvalhosas detetaram o incêndio, porque estavam, por acaso, muito perto do local, e fizeram a primeira intervenção. E, portanto, é um sinal claro de que temos que reforçar também os meios naquilo que é a primeira intervenção. E eles têm, de facto, já alguns meios, mas temos que fazer aqui um reforço, porque são agentes que estão no terreno. E como ficou claro na última ocorrência, podem ter um papel também decisivo naquilo que é depois o combate ao fogo. Este plano é 100% competência do município e, neste momento, estamos já a fazer um trabalho de preparação para um novo plano porque as coisas não são estáticas, são dinâmicas e, por isso, estamos atentos a essas questões.

 

O novo documento vai sofrer muitas alterações?

Estamos a prever que sim, até porque a legislação tem vindo a mudar, sobretudo naquilo que tem a ver com o pós-incêndio. Não temos uma política legislativa do pós-incêndio e quando estou a falar do pós-incêndio é tudo aquilo que tem a ver com estas questões que foram agora levantadas com o Estado de Emergência, em que a administração central vai ter que assumir um conjunto de iniciativas apenas por ter decretado o Estado de Emergência. Os Planos de Emergência Municipais também prevêem algumas questões, mas basicamente é com isto que temos que trabalhar e o município quer ser também pioneiro naquilo que é o plano pós-incêndio, apesar de serem muitas as dificuldades atuais, porque só 2 ou 3% do território florestal pertence ao Estado e aos municípios e, portanto, noventa e muitos por cento são privados e nós não podemos atuar, naturalmente, sobre a propriedade privada, mesmo que estas questões depois tenham a ver com a reorganização florestal depois do incêndio.

 

Nesse caso concreto, então, a prevenção e sensibilização são uma vertente muito importante, nomeadamente na questão da gestão das faixas de combustão?

Da minha experiência pessoal há três anos esta parte a questão das faixas de combustão, que foi uma medida importante, não tem funcionado em termos práticos, seja por falta de meios ou por falta de sensibilização. O que é facto é que as pessoas insistem em não limpar, apesar dos constantes acontecimentos e daquilo que é também a política de comunicação que, sobretudo depois de 2017, tem sido forte, mas o que acontece é que as pessoas, ou porque não têm meios, ou porque não têm capacidade financeira, ou porque simplesmente nem sabem, porque, infelizmente, não há um cadastro florestal nacional, muito menos municipal. E, por isso, não conseguimos ter aqui uma razoabilidade daquilo que é, também, esta questão dos 10 metros, muitas vezes sem haver um caminho ou uma estrada. Há aqui questões da própria lei, que foi feita um bocadinho à pressa, digamos assim, porque era preciso atuar e dar um sinal às pessoas que, de facto, as coisas estavam a mudar. Mas volvidos todos estes anos, penso que estamos em condições de ter outra perspectiva e colocar outras questões em cima da mesa, que são mais importantes.

 

Como por exemplo?

O município de Coimbra tem uma nova proposta de regulamento para o uso de caminhos florestais que aguarda parecer do gabinete jurídico e que já teve uma primeira versão em reunião de câmara, mas são pequenos apontamentos que podem fazer a diferença. Estamos a falar de um regulamento municipal para que antes da época de incêndios seja feita uma manutenção obrigatória dos caminhos florestais. Este é um trabalho que já é feito pelo município, mas que não tem regras, digamos assim, é um bocadinho feito à medida das necessidades. Nós queremos, de facto, ter um regulamento com cronograma, com objetivos, com metas, e portanto, preparámos esse documento há alguns meses e agora está no departamento jurídico para ir a reunião de câmara.

 

Existe alguma estratégia no âmbito das alterações climáticas?

Quando assumimos a autarquia encontrámos um plano de alterações climáticas que tinha sido feito nos últimos meses do anterior executivo e que o mesmo não teve tempo para o colocar em prática. O plano, agora, está concluído e vai ser mais uma ferramenta importante, estamos a seguir aquilo que são também as alterações da Lei de Bases do Clima. É um imperativo legal, está feito. Infelizmente, e queria dar essa nota, não houve no período da audiência pública qualquer intervenção ou contributo. Isto também é preocupante, porque é demonstrativo que as pessoas muitas vezes reclamam sobre determinados assuntos, mas depois não têm opinião, não dão opinião, não partilham opinião nos fóruns próprios, nas alturas próprias. Isto era uma excelente oportunidade para as associações ambientais, para os vereadores da oposição, para as entidades com competências nesta matéria, o ICNF, a APA, enfim, um conjunto de entidades e de personalidades poderem debater e escrever sobre o assunto.

 

A recolha dos resíduos urbanos e a recolha seletiva dos biorresíduos tem sido uma das suas bandeiras enquanto vereador. É uma aposta determinante para o concelho?

Nesta matéria tem havido uma revolução muitas vezes silenciosa, mas tem sido uma verdadeira revolução naquilo que é a relação das pessoas com os resíduos que produzem. Mas existe um problema, que muitas vezes passa despercebido, que é com os operadores da restauração. Estes produzem muitos resíduos e muitas vezes esses resíduos são tratados como, digamos, um município de baixa produção e temos de alterar este paradigma porque é importante ter a capacidade de dar respostas noutras áreas da limpeza e dos resíduos, mas, efetivamente, nós muitas vezes temos o foco naquilo que são questões muito operacionais, como a questão da recolha dos monos, da pessoa que não coloca o lixo, os indiferenciados, o vidro, o papelão, que acabam por ficar muitas vezes no passeio. Essas questões são muito práticas, muito operacionais e são um problema da cidade de Coimbra. A questão não passa só pela recolha desses objetos, passa depois por levá-los ao aterro e, nessa matéria, temos um encargo muito grande, são milhares de euros por ano que o município e todos os contribuintes gastam para que esses materiais e esses monos sejam devidamente tratados. Mas é uma questão que eu gostaria de tirar o foco porque sendo uma questão operacional, obviamente nós não vamos resolvê-la, vai ser um problema que é transversal e que vai continuar a existir. Muitas vezes não chega comprar mais viaturas, meter mais pessoas, porque também estamos a dar um sinal de que as pessoas podem continuar a fazer aquilo que têm feito, que vamos sempre reagir e que vamos sempre limpar e que o município tenha essa obrigação. Efetivamente tem, mas tem muito mais obrigação na questão da sensibilização e na questão da fiscalização. Temos consciência que a parte da fiscalização da autoridade tem que ser uma prioridade, porque já percebemos que estamos perante um crime público e ambiental e que têm de ter consequências. As pessoas não podem efetivamente colocar estes tipos de materiais na via pública.

 

Essa fiscalização tem sido realizada?

Em dois meses, entre junho e julho, identificámos cerca de 30 empresas e particulares. Antes da recolha, detetamos indícios que foram entregues às autoridades e que estão a ser trabalhadas pelo gabinete jurídico. E portanto, estamos a fazer um esforço nesta área também da fiscalização e da notificação das pessoas e das empresas, porque também temos de dar o exemplo, mas isto não é só apenas um problema de limpeza e de recolha de lixo, é muito mais do que isso, é muito mais profundo. Tem a ver com a formação das pessoas, com o civismo das pessoas e são matérias muitas vezes sensíveis, mas que temos de combater, porque não podemos alegar o desconhecimento da lei.

 

E relativamente aos biorresíduos?

Temos investido muito nesta questão dos biorresíduos, nomeadamente, com a colocação de novos contentores (os castanhos) junto aos anteriores. Mas isto é apenas uma parte do projeto. Existem cerca de 15 mil habitantes que estão já a fazer uma autogestão dos seus resíduos, mas temos de fazer ainda um trabalho mais incisivo. Estamos a crescer, efetivamente as pessoas que aderiram estão a fazer a diferença, mas queremos chegar a mais pessoas e queremos alargar obviamente ao resto do concelho. Temos até 2030 para fazer este trabalho. A zona norte já está praticamente coberta com o porta-a-porta. Acreditamos que em poucos meses vamos ter o concelho coberto e depois, pouco a pouco, vamos solidificar o casco urbano. Diria que o Plano de Ação para a Estratégia de Resíduos Sólidos Urbanos (PAPERSU) é um documento que está em vigor e estamos a fazer o caminho para ter Coimbra “zero resíduos”, que é o nosso referencial. Como exemplo: por cada tonelada que o município recolhe e que entrega em aterro custa a cada um de nós 100 euros e isto representa ao fim do ano muito dinheiro. O que é que os biorressíduos e esta questão permite? Por um lado, ter receita, porque, como sabemos são restos alimentares, são produtos que depois têm um efeito e onde é possível criar alguns tipos de adubo. Mas além da oportunidade de termos alguma receita, isso dá-nos uma perspectiva também de reaproveitamento, de sensibilização, de sustentabilidade e estamos a fazer esse caminho e penso que bem. Por isso vamos ter que intensificar essa separação.

 

Mas para o projeto ter sucesso as pessoas têm de estar comprometidas?

Lógico. Temos também aqui alguns critérios que nos permitem depois ter acesso a fundos comunitários e as pessoas precisam também de se envolverem nestas questões, porque naturalmente isto depois acarreta um outro conjunto de situações que no dia a dia são mais importantes. E estou a falar, por exemplo, da oportunidade de termos uma redução da tarifa de água e saneamento, que neste momento é brutal. As pessoas sentem efetivamente o peso da fatura que chega mensalmente e com estas medidas estamos a tentar calcular que haja a possibilidade de termos uma redução daquilo que são os encargos das pessoas. E é importante existir esta perceção, que o gesto que estão a ter hoje é importante para termos esta estabilização. Além da questão ambiental, que, obviamente, é fundamental e principal, é ótimo em termos receita. Em 2022, em termos de separação de recolha tínhamos uma percentagem de 15,9%, ou seja, apenas 15,9% da população faz recolha ou fazia recolha. Nós neste momento continuamos a ser uma população com défice de literacia ambiental nesta questão da reciclagem. A nossa meta para 2030 no PAPERSU será atingir os 64%. E acho que é possível, sinceramente acho que é possível.

 

A questão da limpeza urbana é, sem dúvida, um problema muito grande. O modelo existente é o ideal?

Sim, nós, por exemplo, em relação às Juntas de Freguesias só fizemos essa descentralização de competências há alguns meses, sobretudo na zona urbana, por isso, ainda não tivemos tempo de avaliar. Sabemos que é uma fase de transição. As próprias juntas estão também a acomodar-se e a regimentar outros meios. Depois há aqui vários níveis de atuação. Estamos a falar muitas vezes de um tipo de limpeza que exige também uma especificidade técnica grande. E aqui, naturalmente, a SUMA é um parceiro importantíssimo. No terreno se estivermos a falar, por exemplo, da limpeza dos passeios e na questão dos eixos viários, isso são zonas que temos que ter, digamos, outro tipo de maquinaria, outro tipo de intervenção, e essa exige-nos também alguma cautela naquilo que é a avaliação do trabalho das juntas para já, sobretudo na zona urbana. No resto do território penso que tem sido muito positiva a atuação das diferentes Juntas de Freguesia. O que nós fizemos foi reforçar as verbas para a limpeza e, portanto, as coisas têm estado a correr bem, diria, naquilo que são as desmatações e a própria limpeza dos passeios e dos eixos viários municipais. A Câmara vai, inclusivamente, instalar dois ecocentros no concelho. Os procedimentos estão em andamento e a previsão é que o primeiro seja instalado no primeiro trimestre de 2025, na zona norte (Eiras), onde existem instalações municipais. Quanto ao segundo o local ainda está a ser estudado.

 

Aliás, nesta matéria, a câmara lançou um inquérito “on line” à população relativamente a uma possível reintrodução do glifosato no combate às ervas?

O senhor presidente da Câmara teve também a oportunidade de falar um pouco sobre esse assunto na última reunião do executivo. Falo por mim, mas ele também terá dado esse sinal quando disse que ia votar contra o uso ou o regresso do glifosato. Também não mudei da opinião pelo que mantenho o principal foco que nos proíbe de usar o glifosato em quantidades, que ponha em causa a segurança das pessoas, dos animais e outros. O que está a acontecer é que neste período de tempo, tecnicamente não arranjámos ainda alternativas ao glifosato. O glifosato para ser bem usado tem que ser em quantidades. O produto tem que estar certificado, e não é barato, ao contrário do que as pessoas pensam ou podem pensar, é um produto caro. E, portanto, existe um conjunto de situações que à época foram consideradas, quando foi feito o programa eleitoral, e que estavam acauteladas, ou seja, nós tínhamos condições para deixar de usar o glifosato. Continuo a achar que há alternativas e que podemos fazer aqui outros tipo investimentos e é isso que temos de assumir.

 

Investimentos em quê propriamente?

Investimentos nas mondas térmicas, investimentos no corte e nas varredoras. Além disso temos que, e vamos fazer, estando mesmo a decorrer processos nesse sentido, de aquisição de serviços de reforço externo, nomeadamente com a SUMA. Temos a oportunidade de, no concurso atual com a SUMA, fazer duas adendas, pelo menos, porque são dois lotes, na recolha e na questão da limpeza. E no imediato é isso que vamos fazer, vamos reforçar os serviços externos com a SUMA, naquilo que tem a ver com lavagem de contentores, lavagens de ruas, entre outros. Os procedimentos estão a decorrer e temos a expectativa que até ao final do ano vamos conseguir ter aqui esse reforço, bem como reforçar os meios próprios. Vão entrar três novos trabalhadores nos próximos dias também com concursos finalizados, um motorista e dois assistentes operacionais, porque além disso também temos a questão do cemitério da Conchada, que é municipal e que tem uma gestão complexa. É o terceiro maior cemitério do país, com todos os problemas que isso também acarreta, aliado à falta de manutenção que teve durante muitos anos. O jazigo municipal vai entrar em obras muito em breve, estamos à espera de “luz verde” do Tribunal de Contas, é a única fase que falta para termos, efetivamente, obras no jazigo municipal, que está absolutamente numa situação muito, muito precária. Esta obra é importantíssima também para Coimbra e para a dignificação daquele espaço histórico da cidade.

 

Existem, todavia, outros projetos na área ambiental e da biodiversidade que estão a decorrer?

Sim. Por exemplo, o Plano de Cogestão da Reserva Natural do Paúl de Arzila para o período 2024-2026 está concluído. Iniciámos este processo no início de 2022, em parceria com os municípios de Montemor-o-Velho e Condeixa-a-Nova, porque em termos de limite territorial partilhamos aquele espaço, portanto, o ICNF e o Estado neste momento têm condições de investir naquela reserva natural e é o que esperamos que aconteça nos próximos tempos, nomeadamente, na requalificação da sede em Arzila, na sinalética e na divulgação do espaço, que é o único e tem uma biodiversidade muito importante. De salientar que agora também existem condições para obter as necessárias ajudas europeias. Depois temos um projeto de microreservas. Já apresentamos isto há uns meses. Tem a ver com o levantamento que fizemos das áreas que tem espécies raras e uma biodiversidade também muito própria. Nós identificamos, à época, há um ano, cerca de 30 áreas e neste momento já selecionámos as que podem ser frequentadas pelos munícipes e estamos a criar as condições necessárias para envolver as pessoas e para que as pessoas possam, de facto, usufruir dessas zonas que estão identificadas. Reativamos também a participação, em 2021, na Rede CENCYL, que envolve cerca de 10 municípios portugueses e espanhóis desde 2013 e estamos a construir um caminho para termos novos investimentos e novas oportunidades e aderimos mais recentemente ao CIDEO, uma rede que apanha toda a América Central e do Sul, Brasil, Argentina, Colômbia, Peru e Equador.|

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