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Pedro Amauri de Oliveira é o primeiro doutor invisual de Direito em Coimbra e quer ser exemplo

Síndrome rara tirou a visão a Pedro Amauri de Oliveira que, a estudar Direito no Brasil, ficou sem chão. Demorou dois anos a aceitar: ou isso ou a depressão. Escolheu a primeira e venceu

Quando o mundo desabou aos seus pés, levantar a cabeça foi muito difícil. Dois anos, foi o tempo que Pedro Amauri de Oliveira demorou a perceber que era preciso «sair da cama» e colocar um ponto final na depressão que estava a tomar conta da sua vida, desde o dia negro em que acordou sem ver as cores. Literalmente sem ver as cores. Hoje, este luso-descendente de 34 anos é “doutor”, o primeiro doutorado invisual pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), com tese defendida na última quarta-feira.

Pedro Amauri de Oliveira é e quer ser um exemplo também para todas as pessoas que sintam que barreiras impedem a concretização de sonhos. Não tem de ser assim e o “doutor” promete lutar para mudar o que está errado. «O meu objetivo sempre foi inspirar outras pessoas, outros jovens, sobretudo com deficiência, a tentarem avançar nos seus objetivos», conta.

Recuemos aos 19 anos do jovem Pedro que, no Brasil, cumpria o sonho de ingressar no curso de Direito. «Tomei um medicamento para tratar uma constipação e desenvolvi um síndrome raro que teve como consequência a perda de visão», recorda. A partir desse dia nada mais foi como antes e Pedro mergulhou na escuridão que é ser invisual. Ele que via.

«Foi um período muito difícil», recorda, contando que «aceitar» a nova condição de invisual levou tempo e foi o mais complicado de alcançar. «Ou lutava e saía da cama, ou continuava em estado de depressão». Escolheu a primeira, depois de perceber que há instituições que dão algum apoio a invisuais.

Pediu transferência para outra instituição de ensino superior no Brasil, mas «era ainda insuficiente». Descobriu Coimbra e a FDUC. Fez as malas e atravessou o Atlântico na companhia da mãe. «Um curso de Direito requer muita leitura», diz, explicando que na base da escolha da FDUC esteve o facto da faculdade oferecer os recursos bibliográficos em formato digital e audível, o que era imprescindível para se formar.

Licenciou-se, fez-se mestre e agora doutor. Sempre na FDUC, com algumas passagens pelo exterior, tendo em conta que o mérito de Pedro Amauri de Oliveira não reside apenas no facto de ser o primeiro doutorado da FDUC, mas também esteve na linha da frente ao conseguir diversas bolsas de estudo, nomeadamente da FCT, da Fulbright americana e da Fundação Lusoamericana para o Desenvolvimento.

À mesa de uma das salas do Instituto Jurídico da FDUC, em conversa com o Diário de Coimbra, Pedro recua ao ano letivo de 2013/14 quando chegou a Coimbra com a mãe. «Ainda não tinha autonomia para me orientar sozinho», recorda. Na verdade, nem bengala sabia usar.

A ACAPO de Coimbra foi a ajuda preciosa na integração. «Frequentei aulas de orientação e mobilidade e aulas de informática», recorda. Deu então início a uma vida que é feita em Coimbra, cidade onde diz ter sido sempre muito bem acolhido. Fala, sobretudo, com carinho dos colegas, professores e funcionários da FDUC e quando lhe perguntamos por vantagens e dificuldades não tem dúvidas em dizer que o acesso ao livro que lhe é permitido na faculdade foi o mais importante para dar seguimento ao sonho. Difícil - e talvez não tenha sido exatamente uma dificuldade, tendo em conta o sotaque luso que já se lhe nota - foi «compreender o português de Portugal».

Nesta vida diária por Coimbra, Java é a companhia indispensável 24 horas por dia, a cadela-guia que é os seus olhos, como o próprio diz, e sem a qual nada seria possível.

«O caminho faz-se caminhando», cita Pedro Amauri de Oliveira que admite que a sua vida é feita de «pequenas conquistas diárias». «É confiar e ir atrás dos objetivos». O dele, por agora, é continuar em Coimbra a fazer investigação na área do Direito Público, «com foco na proteção do direito das pessoas com deficiência».

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