Cinzas de Gandhi em Los Angeles salvas por família
Quando o fogo em Los Angeles obrigou residentes a fugir de Pacific Palisades, em direção à praia, Billy Asad e filhos lutaram durante horas para salvar Lake Shrine, retiro espiritual que guarda parte das cinzas de Mahatma Gandhi.
“Quando chegámos, tudo à nossa volta estava engolido em chamas, todas as casas”, disse à Lusa Billy Asad, membro do retiro há 25 anos. “Havia fumo e fogos isolados à volta do Lake Shrine, nas bases das árvores”, contou.
Dono da WDA Fire Protection e com várias certificações na indústria do combate ao fogo, Asad deixou a casa em Marina del Rey com o filho Nick e a filha Gabriela para tentar salvar o histórico local, aberto ao público desde 1950.
“Pus imediatamente a minha equipa no centro de visitantes, a molhar o telhado, e no moinho-capela”, explicou. “Estes são monumentos de legado”, referiu. “Isto está aqui há muito tempo. O museu com peças incalculáveis, que não podem ser substituídas. É um santuário para as pessoas que procuram espiritualidade e paz, é um amor e paixão que tenho”.
Após o funeral de Gandhi em 1948, as suas cinzas foram divididas em mais de 20 partes e enviadas por toda a Índia para que milhões de admiradores do herói da independência e pai da nação indiana pudessem chorar a sua morte em cerimónias. Algumas partes acabaram mesmo fora do país.
Construído em 1950 pelo fundador do retiro, Paramahansa Yogananda, Lake Shrine fica no meio de jardins exuberantes e cascatas com vista para o oceano. Ali está um antigo sarcófago de pedra da China, onde está um cofre de bronze e prata contendo as cinzas de Gandhi.
Em torno do Lake Shrine, que inclui vários edifícios, muita vegetação e um lago com cisnes, as casas e os carros ficaram completamente carbonizados.
Asad chegou a temer o pior, mas lutou contra as chamas com os filhos usando extintores, mangueiras de alta pressão com água bombeada do lago e uma estratégia de encharcar tudo em volta.
“Molhámos arbustos, usámos mangueiras de jardim e uma bomba de água no lago com uma mangueira que estava a molhar toda a circunferência em volta do lago”, descreveu.
Com os bombeiros focados em salvar vidas, este local espiritual - onde foram realizadas as cerimónias fúnebres do ex-Beatle George Harrison e do cantor Tom Petty - estava em perigo, como foi possível ver em vídeos mostrados à Lusa por Billy Asad. “Tive momentos de medo”, admitiu. “Fizemos o que tínhamos de fazer”.
A alguns quilómetros dali, já fora da zona que está a ser patrulhada pela Guarda Nacional, o abrigo de Westwood acolhe pessoas que perderam as casas juntamente com os seus animais de estimação, na maioria cães. O ambiente é sóbrio mas de esperança, com muitos voluntários e recursos a serem colocados à disposição das vítimas.
Um pouco mais à frente, o YMCA de Brentwood rebenta pelas costuras com brinquedos, sapatos, roupas e comida doados por pessoas de toda a cidade, com voluntários a fazer fila para trabalhar.
Quando a Lusa visitou o centro, um altifalante tocava o álbum “Like a Virgin” de Madonna e alguns voluntários dançavam ao som de “Into the Groove”. Era o espírito possível no rescaldo de um desastre de que Los Angeles vai demorar muito tempo a recuperar.
O filho Nick Asad, de 19 anos, disse que têm dormido apenas um par de horas por noite, regressando constantemente para garantir a segurança da estrutura.
“As casas estavam ali mesmo ao lado com chamas de 30 metros de altura. Estão todas no chão”, apontou Billy Asad. “Dá para ver as árvores queimadas. Dá para ver os carros na Sunset Boulevard que estão derretidos fora dos nossos portões. Dá para ver o edifício de três andares, que está entre as nossas estruturas, todo ardido”.
A salvação do Lake Shrine é uma das poucas histórias positivas a sair dos incêndios que assolam Los Angeles há dez dias, com mais de 12 mil casas e edifícios reduzidos a cinzas.
Texto: Ana Rita Guerra/Agência Lusa