Nas prisões também se luta contra o abandono escolar
Nas prisões há professores que lutam contra o abandono escolar dos condenados com projetos que os ajudam a esquecer, por momentos, que estão presos e os fazem acreditar que “não são assim tão más pessoas”.
No início do ano letivo, quase 3.500 reclusos estavam inscritos nas escolas das 48 cadeias portuguesas, mas muitos acabam por desistir, segundo dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), que mostram que, anualmente, este é o destino de 12% dos estudantes.
No entanto, há quem não desista destes alunos, como Paulo Serra. Enviado para dar aulas na prisão de Castelo Branco, o professor de informática admite que, no primeiro dia, estava receoso. Entrou na sala, onde não havia computadores nem guardas-prisionais, e perante uma turma de condenados, foi “levado pelo preconceito”.
“Fiquei uma hora e meia encostado ao quadro até que um aluno me diz: oh professor, está com medo? Digam ao professor que não vale a pena, nós não fazemos mal. Passadas umas horas já convivia”, conta o docente de 1,78 de altura, garantindo que eram medos “infundados”.
No dia em que a Lusa esteve naquela escola, o silêncio no corredor que liga as quatro salas de aula não fazia crer que meia centena de alunos, de todas as idades e condenados pelos mais variados crimes, estavam ali a ter aulas. A diretora do estabelecimento prisional, Otília Simões, garante que nunca teve problemas, até porque os reclusos sabem que o bom comportamento é condição para permanecerem na escola.
Os dados da DGRSP confirmam que os casos de indisciplina em ambiente escolar são pontuais: Em 2023, por exemplo, nas 48 cadeias onde há ofertas educativas foram expulsos 24 reclusos e, no ano anterior, tinham sido 12.
A rotina da escola é muito importante para os reclusos, defende a psicóloga clínica de Castelo Branco, Inês Martins, explicando que permite ocupar o tempo e manterem-se em “contacto com o mundo lá fora”.
Da janela gradeada da sala de Paulo Serra vê-se apenas um muro com arame farpado, mas o professor garante que aquele é “um espaço de liberdade”. E os alunos confirmam. Dizem que naquelas aulas “conseguem passar para fora das grades”.
Consciente de que estes alunos desistem de estudar com mais facilidade, Paulo Serra gosta de desafiar a turma a participar em projetos, porque acredita que lhes “fará acreditar que são capazes”.
Vitor foi um desses casos de sucesso. Condenado por tráfico de droga, chegou à cadeia revoltado e sem motivações, mas uns tempos depois decidiu focar-se no desenvolvimento de um equipamento para ajudar pessoas com problemas motores. Concorreu ao Apps For Good, um programa educativo que incita os alunos a desenvolver uma app que ajude a comunidade, e ficou entre os selecionados.
Autorizado a sair da cadeia e ir até Lisboa, apresentou o seu projeto ao lado de adolescentes de escolas secundárias de todo o país. Venceu o primeiro prémio da melhor app desenhada por reclusos e o segundo prémio na categoria de ensino secundário.
Vitor garante que o prémio não é o mais importante: “É estarmos aqui a cumprir a nossa pena, a pagar o nosso crime à sociedade e, ao mesmo tempo, podermos ajudar os outros”. Na sala de aula do professor Serra está agora em desenvolvimento um tabuleiro em braille que vai permitir que também os cegos possam jogar xadrez ou damas, conta, entusiasmado, Vitor.
No EP de Castelo Branco há um outro prémio monetário para os melhores alunos e Otília Simões diz que os resultados estão à vista: Aumentaram os alunos nas aulas, “diminuiu o absentismo” e restaurou a autoestima dos reclusos.
“Vistos como pessoas que fizeram algo de mal na sociedade, o reconhecimento mostra que não são tão más pessoas quanto, em algum momento, foram. É muito bom para eles, mas também para as suas famílias que percebem que, embora tenham falhado em algum momento da sua vida, querem reabilitar-se e modificar o seu comportamento”, salientou a Otília Simões.
A ideia é corroborada por Vitor, que conta que a família cortou relações quando foi preso pela segunda vez pelo mesmo crime. Depois de três anos em silêncio, “eles viram o percurso que estava a levar e perdoaram-se”. Naqueles momentos mais solitários, contou com o apoio dos professores e encontrou motivação para não desistir.
Paulo Serra acredita que a escola pode ajudar a reduzir os casos de reincidência. A sua fé baseia-se nas histórias de vida dos seus ex-alunos. Quando terminam a pena, o professor tenta manter uma ligação: “Todos levam o meu número de telefone, o meu e-mail e o meu Facebook. Eu gosto de saber o que é que está a acontecer e posso dizer, sem dados oficiais, que aqui a percentagem de reincidência é bem mais reduzida”.
A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais diz não conhecer estudos sobre o impacto da formação escolar e profissional na reincidência, mas sublinha que “qualquer formação que os reclusos recebam constitui uma mais-valia para o seu processo de integração e para a ajuda aos processos de decisão individual”.
Emanuel Henriques também é reincidente e também vê a escola como uma oportunidade. Entrou na prisão com apenas o 9.º ano e já está a terminar o 12.º. Ali, tornou-se também um frequentador assíduo da biblioteca e um leitor ávido, sem dificuldades em enumerar os seus escritores preferidos. Ao fim do dia, quando o voltam a trancar as celas, Emanuel evade-se através dos livros.
No EP de Castelo Branco são vários os alunos que progrediram nos estudos como Emanuel, conta o coordenador da escola, Carlos Fernandes. O professor de 1.º ciclo já ensinou a ler reclusos que chegaram ao secundário: “Neste momento, há quatro homens que iniciaram aqui o seu percurso formativo: Um foi comigo no 1.º ciclo, os outros fizeram aqui o 2.º e 3.º ciclos e agora estão no secundário”, disse.
Carlos Fernandes acredita que muitos acabam por gostar da rotina da escola, até porque na sala do 1.º ciclo, é possível sair da prisão e viajar por Portugal e pelo Mundo através dos mapas afixados na parede ou do globo, colocado junto à janela gradeada.