
Mundo deve preparar-se para nova pandemia com vigilância e planeamento
Em vésperas de se completarem cinco anos sobre a declaração pela Organização Mundial da Saúde (OMS) da covid-19 como uma pandemia, que já matou mais de sete milhões de pessoas entre os mais de 700 milhões de infetados, a Lusa interrogou cientistas portugueses de várias áreas sobre o desempenho de Portugal, entre falhas, conquistas e fragilidades. O mundo está mais bem preparado para enfrentar uma nova pandemia, face aos erros e lições aprendidas com a covid-19, mas os cientistas defendem que a estratégia futura passa por vigilância, planeamento, investimento e cooperação.
Para Carlos Fiolhais, que refere que o facto de Portugal ter «tido uma das mais altas taxas de vacinação do mundo não atesta o nível educativo e a literacia científica» do país», no qual é preciso investir, alerta para o facto de «o mundo não estar a evoluir para melhor, designadamente na relação entre política e saúde pública», numa alusão aos Estados Unidos, potência mundial governada pelo negacionista da covid-19 Donald Trump. Carlos Fiolhais, coautor do livro "Apanhados pelo vírus - Factos e mitos acerca da covid-19", adianta ainda que «seria conveniente estabelecer mecanismos internacionais de pronto alerta para o caso de surgimento de novos microrganismos potencialmente letais para os humanos». Além disso, os «processos de fabrico de novas vacinas podem ainda ser acelerados agora que os procedimentos técnicos foram aperfeiçoados».
«Na próxima vez, devíamos evitar o que correu mal - atrasos e deficiências na comunicação, egoísmos nacionais que prejudicaram a cooperação - e repetir o que correu bem - normas de saúde pública e a conceção e distribuição de novas vacinas», defende Carlos Fiolhais, professor jubilado da Universidade de Coimbra.
Já Miguel Castanho, investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a Portugal faltou o arrojo para criar medicamentos ou vacinas. «Deveríamos ter a ambição de contribuir para a criação do que é novo, em vez da resignação de sermos meros beneficiários da inventividade e arrojo de outros». Relativamente à forma como enfrentar uma nova pandemia, o investigador alerta para «não se cometer de novo o erro do esquecimento e da subestimação. A forma como estamos a ignorar os alertas para a resistência microbiana e o perigo futuro que é o alastrar de bactérias para as quais não dispomos de antibióticos devem fazer-nos refletir sobre até que ponto aprendemos com a pandemia». assinala o bioquímico Miguel Castanho. Segundo o investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, "é preciso estudar melhor como vírus e bactérias se adaptam aos novos fármacos e vacinas para depois desenvolver novas soluções terapêuticas». Existe neste momento um enorme esforço para o desenvolvimento de antivirais de largo espetro, incluindo projetos de consórcios europeus liderados por portugueses. «Quando este esforço der frutos, estaremos muito melhor preparados para uma futura pandemia viral porque poderemos usar estes medicamentos logo a partir do momento em que surge o primeiro foco de potencial pandémico», sublinha Miguel Castanho.
De resto, o investigador destaca como «grande lição» do combate à covid-19, doença respiratória declarada como pandemia em 11 de março de 2020, a de que «a cooperação vale mais do que a competição». «Enquanto da cooperação científica nos quatro cantos do mundo veio a caracterização do vírus em tempo recorde, permitindo colocar no terreno o desenvolvimento de vacinas e medicamentos, da esgrima das nações sobre quem retirava mais dividendos políticos e mediáticos do lançamento de vacinas pouco se aproveitou», invoca, ressalvando, porém, o facto de a União Europeia se ter revelado um «espaço solidário na aquisição de vacinas e sua distribuição».