
Memórias: Brigadas de polícia contra “linguagem vergonhosa”
«À nossa redação continuam a chegar reclamações sobre os excessos de má linguagem em certos lugares públicos da cidade. Má por ser profundamente obscena e significativa por ser usada por criaturas que cursam escolas e que provêm de meios familiares educados».
A observação, na coluna “Ecos e Comentários” do Diário de Coimbra de 10 de novembro de 1936, apontava «o caso da Quinta de Santa Cruz e outros locais onde estacionam os rapazinhos dos liceus e dos colégios», mas «a mesma brutalidade e liberdade de linguagem inundava e sujava as ruas da cidade por onde passam as raparigas das fábricas».
«É apavorante o plebeísmo de linguagem em crianças dos 10 aos 16 anos, que só é excedido pela sua incrível incivilidade. O que serão amanhã na sociedade estes prometedores carroceiros? Que os pais e depois os mestres reparem nesta tristíssima e desoladora miséria», alertou o autor do apontamento, pedindo para tais «desmandos de língua, a fazer corar as pedras dos caminhos», a intervenção da polícia em defesa da «moral pública», até que «a família e a escola retomem a sua função normal de domadores da bruteza humana».
A questão não ficaria por aqui. «Depois que o nosso jornal notou a imperiosa necessidade de evitar que Coimbra seja vexada pela vergonha de pelas suas artérias principais e pelos seus formosos parques e jardins não poderem transitar senhoras e crianças sem ouvirem inconveniências dissonantes e de maior deselegância, várias têm sido as pessoas que se nos têm dirigido, incitando-nos a não largar de mão este momentoso assunto sem que ele seja resolvido, por quem de direito», lia-se em novo artigo, publicado no dia 21 desse mês.
«Aqui voltamos a reclamar a atenção de todos quantos podem e devem contribuir para que termine tão vergonhoso estado de coisas. O sr. comandante da PSP evitaria estes excessos de linguagem criando brigadas volantes que aplicariam pesadas sanções aos que usassem essa linguagem vergonhosa. A Câmara Municipal de Coimbra poderia dar instruções especiais aos guardas dos seus parques e jardins e ainda os diretores das escolas e reitorias dos liceus e da Universidade deveriam manifestar, em instruções aos escolares sob a sua alçada, o desejo de que procedam de maneira a não contribuírem para dar à escola que frequentam o epíteto de “alfobre de malcriados”.
Se assim se fizer, estamos certos de que, em breve, Coimbra onde outrora viveu uma Academia turbulenta, boémia e irreverente mas sempre briosa, galante e bem educada, não será apontada como é, uma terra incivil. Bem sabemos que há ainda muita gente capaz e bem educada, mas... “meia dúzia de ovelhas ronhosas estragam um rebanho. Acabe-se, pois, com os malcriados…, apelou o articulista.