A responsabilização do Estado pela sua morosidade
Num recente Acórdão datado de 18-12-2024, o Supremo Tribunal de Administrativo, doravante designado apenas por STA, reconheceu a responsabilidade do Estado pelos atrasos excessivos na tomada de decisões judiciais. Considerou o STA que a falta de uma decisão judicial em tempo razoável constitui um facto ilícito e culposo, de que podem resultar danos psicológicos e morais para os cidadãos e que devem ser indemnizados.
No processo n.º 01888/19.7BEPRT, um cidadão/recorrente propôs uma ação administrativa contra o ESTADO PORTUGUÊS e peticionou a condenação do Estado Português pela violação da sua obrigação de proferir uma decisão jurisdicional em prazo razoável. Segundo o STA, o “atraso da justiça consubstancia (…) um dano não patrimonial pelo atraso, pelo mau funcionamento do serviço que não proferiu a decisão judicial em prazo adequado.” Para este Tribunal, o simples facto de uma decisão judicial não ser proferida dentro de um prazo razoável pode, por si só, causar danos morais e psicológicos aos cidadãos, independentemente da existência de prejuízos patrimoniais diretos.
Além disso, considera, ainda, que este tipo de dano é presumido, ou seja, não é necessário apresentar prova do sofrimento causado pela incerteza e demora na resolução do litígio. Esta presunção de dano, poderá, no entanto, ser afastada se se demonstrar que a demora não resultou de uma falha do sistema judicial, mas sim da própria conduta da parte envolvida. Ou seja, é entendimento do STA que se o cidadão utilizou o processo como um meio para adiar intencionalmente uma obrigação, em vez de procurar uma decisão legítima sobre os seus direitos, então o atraso não pode ser atribuído ao mau funcionamento da justiça.
Contudo, no caso em análise entendeu-se que “mesmo que o A. tenha retirado um benefício material do atraso, como se argumenta na decisão, tal não pode considerar-se um fundamento válido para afastar a presunção de que a incerteza e o sofrimento associados ao atraso ilícito causaram o dano moral cuja compensação vem reclamada na ação e que o TEDH e este STA consideraram ser devidas pelo facto do atraso e não por prejuízos resultantes do atraso”.
Mais avança o STA que “(…) o que se analisa é a duração global do processo e o que se consubstancia ilicitude por mau funcionamento do serviço de justiça é o incumprimento de prazo máximos que se convencionaram adequados para proferir decisões em primeira instância e em termos globais. Logo, não se pode qualificar como mau funcionamento do serviço a existência de demoras em determinadas fases ou tramites processuais, quando, na globalidade, aqueles prazos máximos considerados razoáveis sejam respeitados”.
Socorrendo-se da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), o STA veio considerar que um processo em primeira instância deve, em média, ser concluído em cerca de três anos para ser considerado de duração razoável. Quanto à duração total de um processo judicial, incluindo todas as instâncias, deve situar-se, em princípio, entre quatro e seis anos, embora sempre sujeito a uma análise casuística da complexidade do caso e do que possa ter contribuído para o desrespeito do prazo razoável para a emissão da decisão. A mais recente decisão do STA vem, deste modo, reconhecer a responsabilidade do Estado pelos atrasos excessivos na tomada de decisões judiciais, considerando que a falta de uma decisão judicial em tempo razoável constitui um facto ilícito e culposo, que pode resultar em danos psicológicos e morais para os cidadãos e que, como tal, devem ser indemnizados. Há, assim, um reconhecimento dos cidadãos a uma justiça célere e, nos casos que assim não suceda, de forma injustificada, à luz do entendimento do STA, terá como consequência a possibilidade de responsabilização do Estado pela morosidade na justiça. Saudamos esta posição do STA que reflete uma possível mudança de paradigma na tutela dos diretos dos cidadãos no que se refere a uma decisão em tempo razoável.