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O despertar do dragão

Setembro 7, 2024 . 11:59
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos encomendou em 2021 ao gabinete de Michelle Bachelet uma investigação sobre alegações de genocídio em Xinjiang contra a população uigur e outros grupos étnicos maioritariamente muçulmanos.
Grupos de defesa dos direitos humanos acreditam que a China deteve mais de um milhão de uigures contra a sua vontade em “campos de reeducação” e condenou centenas de milhares a penas de prisão. No relatório da ONU, divulgado em 2022, apenas na véspera de Bachelet abandonar o cargo, conclui-se que há evidências de tortura naquela província chinesa e que o Estado chinês usa leis de segurança nacional para reprimir direitos das minorias e estabelecer um sistema de detenção arbitrária em massa. De acordo com o mesmo documento, os prisioneiros são submetidos a padrões de maus-tratos que incluem violência sexual. Algumas das vítimas são submetidas a tratamento médico forçado e à aplicação discriminatória de políticas de planeamento familiar e de controle de natalidade. A ONU advoga que estas ações do Estado chinês configuram “crimes contra a humanidade". A China, que exercera fortes pressões sobre Bachelet para que o relatório não fosse divulgado, alegou em sua defesa que os campos de detenção são uma ferramenta para combater o extremismo islâmico, negando as acusações de abuso, que classificou de "farsa" organizada pelas potências ocidentais. Os reiterados atropelos aos direitos humanos em todo o território da República Popular da China pelo Partido Comunista Chinês têm vindo a ser denunciados por diversas organizações internacionais, designadamente a Human Rights Watch (HRW) e a Amnistia Internacional. Com receio de que a liberdade de expressão política e religiosa possa pôr em risco o regime comunista e o seu governo, Xi Jinping, no poder desde 2012, consolidou um Estado fortemente repressivo, agora também intensificado por um sofisticado sistema tecnológico de vigilância e de censura. A atenção internacional às violações de direitos humanos pelo governo chinês aumentou, designadamente quando, em 2022, 8 países avançaram com boicotes diplomáticos aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim. Por outro lado, o Relatório Mundial 2023 da HRW demonstra, com exemplos iniludíveis, que a repressão aumentou em toda a China em 2022. Até que ponto é que uma condenação mais desassombrada dos inegáveis atropelos aos direitos humanos na China, quer por parte de instâncias diplomáticas internacionais, quer em manifestações de rua, não estará mitigada pelo forte investimento de Xi Jinping em todo o mundo, e em especial na Europa? Banca, seguros, energia, saúde e aviação têm sido os setores que mais têm atraído os investimentos chineses. O projeto chinês da Rota da Seda (com um investimento de cerca de 900 mil milhões de euros em portos e estradas para ligar a Europa à China por via terrestre e marítima) elegeu o Sul da Europa como área privilegiada de investimento, designadamente Portugal, Itália e Grécia. Portugal é o país da UE que tem registado um investimento chinês mais elevado: 12,4 mil milhões de euros no ano passado, segundo dados do Banco de Portugal. A empresa estatal chinesa Fosun conta com investimentos na área farmacêutica, na banca (BCP), na compra e venda de imóveis, nos seguros (Fidelidade), na energia (REN), nas telecomunicações e na saúde (Luz Saúde). A China Three Gorges é dona da EDP. A State Grid Corporation of China detém a REN e 25% da Rede Nacional de Expressos. A China já investiu também 527 milhões de euros em 11 projetos em países de língua portuguesa (Brasil, Angola, Moçambique e Macau). Externamente, a China tem usado a sua crescente influência económica e cultural (esta através dos Institutos Confúcio) para impor o seu poder, através da aquisição de setores estratégicos das economias de diversos países, e para branquear a sua imagem política. Por outro lado, internamente, a mesma China tem em marcha um vasto e intenso ataque aos direitos humanos, que são por Pequim encarados como uma ameaça à existência do regime comunista e ao seu império económico. Esperemos que o todo-poderoso dragão asiático não venha no futuro a constituir também uma ameaça aos direitos humanos nos países onde detém setores estratégicos das respetivas economias e resista à tentação de impor a sua conceção restritiva de direitos humanos, centrada nos interesses do Estado, à luz da interpretação e ditames do poder autocrático do Partido Comunista Chinês, segundo o qual a estabilidade do poder, exercido com mão de ferro, e o expansionismo económico globalizado se sobrepõem aos direitos humanos, incluindo os civis e políticos.

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